Já passou algum tempo desde a última vez que escrevi o último texto. Mas, ainda que tenham acontecido imensas coisas neste período – desde 12 Junho – quero tocar numa em particular. A minha auto-estima e a minha segurança no sujeito “eu”. Ambos estes assuntos tomaram conta de muitos dos pensamentos que fui tendo dia após dia. Não que me deixassem com dúvidas ou certezas, mas porque eram questões importantes para eu refletir. Dar-me as ferramentas corretas para quando este tipo de sensação e sentir ocorre. Sem dúvida, para mim, o primeiro passo é tentar perceber qual o gatilho que provocou uma perturbação no meu estado emocional.
Entender a minha divergência em relação à sociedade é compreender as minhas decisões e o modus operandi dessas mesmas escolhas. Nada é inócuo, pois tudo está mesclado com o tecido social em que vivemos. Não chega olhar para nós, é necessário olhar para a colectividade e reconhecer que vivemos em moldes construídos e reconstruídos anos após anos, séculos após séculos, … Inferir esta divergência é dominar parcialmente a minha resposta emocional ao que se vai acontecendo.
Em artigos anteriores escrevi sobre a minha luta no acesso à saúde no sistema nacional de saúde (SNS), escrevi sobre as minhas revoltas internas e, também, externas. Escrevi sobre como os meus processos vão-me trazendo ferramentas para seguir em frente. Ou, pelo menos, para aprender a situar-me no mundo e na minha própria realidade. Uma realidade dilacerada por normatividades, padrões e sistemas tendenciosos. Referir-me a uma oscilação na minha auto-estima não implica só o sujeito “eu”, mas induz-se também através da construção social de como devem ser e como se devem comportar determinados corpos – a sua validade é colocada em causa por estes mesmos processos. De uma forma sintetizada – há corpos que não devem e/ou não podem existir.
Há dias que acordo e penso que não queria estar a passar por este caminho, queria apenas ser quem sou. Sem mais nem menos. Admito que essa ideia pode parecer, às vezes, atractiva. Porém, simultaneamente, a minha vida, de uma forma geral, deixaria de fazer sentido. Não porque sou a travessia deste caminho, mas porque sou a construção dessa mesma travessia. Não posso apagar anos e anos de destruição e reconstrução dos meus modelos de vida e dos meus próprios valores.
Conjugo auto-estima com segurança do sujeito “eu” porque penso que, de alguma maneira, ambas são formas diferentes do mesmo estado. A oscilação entre a resposta corporal e os estímulos que vamos recebendo pode gerar movimentos na nossa auto-definição. Movimentos estes que, por vezes, me levam a ficar confusa sobre o meu próprio futuro e os meus próximos passos. Eu quero moldar-me ao meu “eu”, mas a minha auto-estima atribui-se às construções sociais em que me insiro. Não posso dizer se existe alguma forma perfeita de moldar o meu “eu” e não ser submetida à pressão social, mas dado que não é a nossa realidade atual, não pretendo seguir esse caminho.
O meu desenvolvimento molda-se pelo tempo e pelo espaço, pela cultura e pela política. Se há uns anos eu não sabia o que era viver em divergência com a sociedade, agora sinto-o na pele todos os dias. Isto tem impacto na (re)formulação de quem sou. Pois passei de um registo em que me reconhecia facilmente em outras pessoas, para outro em que luto diariamente para conseguir a visibilidade que me permita sentir afinidade com alguma história de vida. A minha incapacidade de contestar e afirmar quem sou varia com o decorrer do meu tempo de vida. Há momentos em que me sinto bem e confortável comigo, com quem sou e com o caminho que percorro. Por outro lado, também há momentos em que sinto uma tristeza inabalável, um vazio profundo, uma barreira sem limites. Não me reconheço e não me sinto boa para comigo mesma. Não me sinto dona do meu próprio espaço “eu”. Vivo em dois mundos distintos, duas faces do mesmo estado: (in)segurança.
Quando experimento esta melancolia procuro usá-la a meu favor procurando, na imagem ou na escrita, um meio de poder expressar os meus medos mais interiores e profundos. Relaciono-os com ocasiões onde sou colocada numa posição de defesa da minha identidade, da minha materialização no mundo. Uma vida encarnada no meio material, no centro das construções humanas. Esta melancolia deixa-me reflexiva e só. Reflexiva, porque vivo uma combinação de estados emocionais que preciso equacionar e digerir. Só, porque o caminho para me (des)construir na sociedade pode ser um processo muito solitário. Reflexiva e Só.
Escrevo, escrevo como se tivesse sentido, como procurar uma realidade onde consigo coexistir. Escrevo com ou sem lógica, escrevo com ou sem racionalidade, escrevo porque as emoções me dizem o que escrever, ditam a sua autonomia e a sua determinação. Escrevo porque é das emoções que o meu mundo vive, porque é das emoções que sobrevivo.
Escrevo, escrevo sem uma linha condutora bem definida, escrevo torto e sem rumo.
Esta melancolia tão presente em momentos cruciais na minha vida. Esta melancolia que me ajuda a entender o meu lugar. Esta melancolia que alimenta o meu vazio interior.
Saber-me sem auto-estima, ou com ela bastante comprometida, é um indicador de mais um período de autoconhecimento e nova gestão emocional. Entender-me sem auto-estima é tomar conta do meu próprio destino, é passar a barreira do sentir-me sem auto-estima. Sentir-Entender, um duo fulcral da nossa vida. Uma resposta às nossas maiores dúvidas. Porém, como faço, ou como farei, no futuro? Manter-me na melancolia? Deixar-me ir pelo vazio?
Quando choro por um caminho que, muitas vezes, me é difícil, sorrio por um caminho que me permite ser quem sou. A dualidade chorar-sorrir é fundamental para deixar de sentir o vazio, deixar de sentir melancolia de forma permanente.
Este é um texto de dois passos e dois tempos. É o texto e o seu próprio contra-texto. É, sem sentido algum, um texto melancólico e finito. É, sem sentido algum, um texto triste e fatal.
Quero mais (vida), muito mais (vida)!
Dani
Imagem: Melancolia - Luis