Hoje é um dia de sororidade. Um dia em que nos juntamos para gritar bem alto que queremos uma vida digna. É um dia de todas nós. Queremos mostrar que estamos juntas nesta luta constante, diária e sem fim. Queremos e merecemos o espaço público, queremos e merecemos o direito a viver. Não queremos flores, queremos não sofrer violência constantemente. Não queremos flores, queremos que as nossas vozes sejam ouvidas. Queremos…
Porém, quando falamos em sororidade, de quem falamos? Numa batalha que se tem vindo a verificar dura, mulheres trans e outras identidades dissidentes continuam na penumbra, invisibilizadas por um movimento que as exclui, segrega. É num contexto de grande perigosidade que vemos aparecerem cada vez mais movimentos trans-excludentes, manifestando-se publicamente contra pessoas trans, deturpando acontecimentos e argumentos. Usando falácias e populismos para incentivar o ódio e perpetuar a discriminação de um grupo que já é bastante ostracizado pela sociedade em geral.
Este crescente movimento acompanha as tendências dos actuais países do ocidente: a extrema-direita, o fascismo e o neoliberalismo crescem de uma forma assustadora. A proximidade dos argumentos usados por estes movimentos trans-excludentes e a extrema-direita é assustadoramente pequena. É neste cenário que procuramos alianças, procuramos restabelecer-nos no mundo e procurando fazer-nos ouvir. É um jogo tático e constante.
A violência contra as nossas identidades, a violência contra os nossos corpos, as nossas decisões, a nossa autonomia. A violência que é sistémica, é estrutural, é do Estado contra nós, é da Sociedade contra nós, é do Indivíduo contra nós. A violência que se sente na rua, nas escolas, nos trabalhos, em casa… ou em qualquer outro espaço. As que de nós sobrevivem e que têm imensas histórias de horror e sofrimento para contar. As de nós que já partiram, na maioria das vezes silenciadas e apagadas, caídas no esquecimento.
Não queremos só direito a salários iguais, queremos o direito a poder ter um trabalho. Não queremos só um sistema de saúde público e gratuito, queremos um sistema que nos assista nas nossas necessidades pelo que somos. Não queremos só um sistema de educação público e gratuito, queremos um sistema onde sejamos representadas. Não queremos só estar em cargos de poder, queremos que sejam aplicadas verdadeiras políticas de inclusão. Não queremos só o reconhecimento da nossa identidade, queremos que sejam implementadas medidas concretas que nos protejam da violência e da discriminação. Não queremos ser o lavado de cara dos movimentos sociais, da falsa inclusão, queremos ser parte integrante.
Nos feminismos tem de haver espaço para todas as vozes, para todas as mulheres, para todas as identidades não hegemónicas. Todas afectadas pelo mesmo sistema: o patriarcado. São estas as vozes que também nos dizem que a sociedade é mais do que apenas o sexo designado à nascença. Há intersecções, há uma multiplicidade de opressões cruzadas que afectam o modo como cada identidade se desenvolve. É nessa mesma interseccionalidade que não podemos ser apagadas, a nossa experiência tem um valor enorme para compreender estruturas e hierarquias sociais.
Entender as violências perpetradas contra pessoas trans e outras identidades é entender de uma forma mais concreta os mecanismos que produzem um sistema de opressão inato ao patriarcado. Entender estas violências é também entender que existe uma construção social em torno do modo como crescemos que pode e deve ser questionada e desconstruída.
O patriarcado e o capitalismo andam de mão dada, a lei e a autoridade sucumbem a este mesmo sistema. Queremos fazer diferente, queremos destruir o patriarcado, queremos destruir o capitalismo, queremos criar formas sustentáveis de viver, para nós e para o planeta. Queremos criar comunidades ricas e livres de hierarquias e opressões. Queremos um sistema horizontal, onde todas as pessoas têm voz.
Dani