geral,

Reconduzir, ressignificar, repensar...

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 24 de junho de 2024 · 4 mins read
Fotografia de um correio abandonado no meio do campo circundado por uma rede de ferro
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Sento-me. Ajusto os phones nos ouvidos. Puxo o tabuleiro do teclado e abro um documento em branco. Oiço a banda sonora que me acompanhou durante a execução e escrita do meu projeto final de cursoProjeto em Astronomia, intitulado Rádio-Interferometria – Simulação e Optimização. Uma música de Ricardo Villalobos, chamada Lugom-IX – minimal techno. Não sei porquê, hoje deu-me para escrever a ouvir eletrónica. Não é muito habitual, mas por vezes acontece.Vale a pena respirar e deixar-me levar pelos tons e pela melodia. Uma melodia que acompanha um fim de semana de 4 dias, depois de uma semana bastante pequena dado que na segunda também foi feriado. Marcada em geral por altos e baixos emocionais, felicidades e tristezas. No fundo, caminho e apenas, mais caminho.

Olho em meu redor, os pequenos dormem, dormem o seu “profundo sono de gato”. Um sono profundo, mas sensível ao meu estar, sensível ao meu sentir e ao meu sorriso. Sorrio. Sorrio e olho para ambos. Cada um no seu lugar. Tenho a certeza que me sentem, tenho a certeza que sabem o meu lugar.

No meu último texto, “Uma parede branca…” escrevia:

“Respiro fundo, preciso respirar fundo neste momento. As palavras começam a bloquear o meu pensamento e começo a ter dificuldade em escrever, mas continuo, vou continuar. Fecho os olhos e escrevo dessa maneira, sem medo, sem medo do que vai sair no teclado, confio nos meus dedos, confio na minha memória corporal.”

Hoje estou noutro lugar, não quero fechar os olhos, mas também não confio nos meus dedos. Apenas respiro fundo. Um respirar fundo que atenta com a minha tranquilidade, sinto-me tranquila, neste momento sinto-me tranquila. Apesar de tudo… tranquila.

A nossa sociedade (euro centrada) ensina-nos que devemos ser coerentes, produtivistas, capazes, implacáveis na nossa forma de estar no mundo. Não temos espaço para o erro, para a dúvida, para o medo, para a incorência, para o mal estar. Estas são coisas de quem não consegue, de quem não aguenta, de quem não tem capacidade emocional ou de quem não tem resposta para os desafios do dia a dia. A pressão a que nos sujeitamos é tremenda por tantas definições de uma sociedade que vive uma felicidade aparente, no topo de um conjunto de injustiças perpetradas de forma continuada.

Vivemos à custa de pensos rápidos sobre as nossas próprias emoções. Sem um trabalho de continuidade. Sem um trabalho de coletivização dos sentires. Não sou imune a este ponto, a dissonância que sinto entre o que acredito e aquilo que retiro do mundo deixa-me cansada.

E neste momento sinto cansaço. Sinto cansaço do certo e do correto. Da segurança, do domínio e do controlo. Nem sempre faço o mais correto, nem sempre faço o mais certo. Nem sempre estou segura ou capaz de dominar os meus estados. Faço e sinto. Sinto e faço. E muitas vezes A não liga com B, mas B também não liga com A. Estou cansada. Acima de tudo, estou muito cansada.

Escrevia, no mesmo artigo:

“São muitas dúvidas as que tenho por falta de referenciais.”

Estou cansada de racionalizar o que sinto, de dar resposta a um sistema feito para manter o controlo, manter a eficiência laboral e para produzir para o capital. Eu não quero ter de racionalizar constantemente, quero ser uma pessoa que vive as suas emoções e as suas contradições com o que têm de bom ou mau. Racionalizar foi a minha arma de combate durante anos, criava-me uma distância segura onde me podia proteger. Hoje não quero essa distância, não quero essa barreira.

Hoje quero sentir algo diferente, quero viver.

Pego neste artigo, já passaram alguns dias. Não o consegui acabar no seu tempo, não o consegui publicar no seu tempo… não consegui. Mas na mesma linha do que pensava há uma semana atrás, porque tenho de conseguir? Porque tenho de sempre conseguir? Ou, de aparentemente mostrar que consigo? É um lugar perigoso, esse, onde me coloco. É por isso que sinto que preciso de coletivizar mais os meus sentimentos e emoções, sentir e falar mais delas.

Não o faço muitas vezes por não me sentir compreendida, ou sentir-me minorada nos meus sentimentos. Sei que muitas vezes a dificuldade está do meu lado, mas sinto que preciso de espaços seguros de fala e deitar fora.

Sinto que preciso ocupar tempo. Sinto que preciso ocupar espaço.
Sinto que preciso deitar fora muito lixo, de uma forma saudável, mas deitar fora.

Sinto que preciso de estar com experiências semelhantes.
Sinto que preciso de apenas de ser escutada…. pois sei, em parte, o que tenho de fazer.

Sinto e quero libertar. Não quero opiniões, quero libertar.
Sinto e quero chorar. Não quero instruções, quero chorar.

Porque poder sentir e deixar-me sentir é das coisas mais maravilhosas que aprendi nos últimos anos.

Porque sim, quero.

Dani

Imagem: Abandoned Farmstead Mailbox 3182 C - Jim Choate

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma