geral,

Pelos céus... de encontro a mim mesma...

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 22 de outubro de 2024 · 4 mins read
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Sobrevoo os céus de Portugal e vou a caminho de Bucareste, Roménia. Estou a umas escassas horas de distância de começar a conferência da ILGA-Europe, que irá acontecer nos próximos dias, até precisamente sábado, dia 19 de outubro. Volto dia 20 de outubro. Volto, a Lisboa, dia 20 de outubro. Em viagem, penso e repenso no meu lugar, reflexiono e volto a reflectir neste lugar que ocupo. Onde estou? E para onde vou? Tudo isto aquando de ter para a semana, dia 26 de outubro, a primeira aula da Pós-Graduação em Sexualidade Humana, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Esta Pós-Graduação vai na IV edição… concorri na I edição, mas sem sucesso - tinha Mecânica Quântica por fazer na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

São estes tempos que se avizinham cheios, cheios e ricos, ricos e desafiantes, desafiantes e… não sei descrever. Quero fazer o meu melhor. Quero e preciso, preciso e necessito, necessito e irei conseguir. Mas tenho medo. O medo atingiu-me nestes dias que têm passado. Algum medo, alguma insegurança… serei eu capaz de levar tudo isto? Serei eu capaz de enfrentar os meus próprios medos internos, romper com as minhas próprias metodologias tóxicas e inexperientes? Faço perguntas, faço muitas perguntas. Pergunto-me e volto a perguntar, sou eu capaz?

Sou eu capaz? A minha grande dúvida, o meu grande receio, o meu grande medo.

Na semana passada assinalou-se o Dia da Saúde Mental (10 de outubro). Partilho este artigo (Dia Mundial da Saúde Mental - A doença invisível) que escrevi, em 2019, num momento difícil da minha vida. Um existir e viver em depressão profunda, custou-me 4 a 5 meses numa recuperação árdua e intensiva. Agora passaram 5 anos e estou neste lugar simbólico, a vários milhares de quilómetros do chão. Também, se assinalou o dia do Coming Out (11 de outubro), um dia que marca um marco importante para muitas pessoas LGBTQIA+. Um dia que me lembra vários dos meus processos durante os últimos anos, onde me afirmei, re-afirmei e, por força das circunstâncias, continuo a reafirmar em várias identidades. Durante anos tive medo desse processo, mas segui em frente, porque sabia que era importante seguir em frente. Não ficar parada no próprio ódio, no próprio desgosto, no próprio medo de avançar no dia a dia. Porque falo em ódio? Em desgosto e medo? Porque durante anos e anos acreditei que eu estaria errada. O mundo ao meu redor, e não só, fez-me crer que sim, que estava errada e alimentou o meu medo. Um medo profundo de sentir ódio de mim, sentir desgosto por quem eu era e sou.

Sinto hoje que fiz um caminho… longo, mas fiz um caminho. Foram diversos os obstáculos que existiram e que ainda continuam a existir, mas sigo um desejo, um desejo de ser, estar feliz: essa emoção relativa e difícil de mensurar. Não deixa de ser uma medida de cada pessoa e para cada realidade. Passei por momentos bons, maus. Passei por momentos excelentes, péssimos. Passei por momentos de que não me lembro, de todo. Hoje estou num lugar que nunca sonhei estar, nunca fez parte dos meus planos e que, sobretudo, nunca me achei capaz de tal. Hoje estou num outro lugar, onde me apetece sorrir - apesar do medo, apesar da insegurança. Um lugar de experiência, de provocação, de contestação. Um lugar na margem, mas no centro da mudança. Porque é na margem que a mudança acontece, é na margem que erguemos as nossas energias, é na margem que questionamos a centralidade do mundo ou, pelo menos, da nossa sociedade.

Escrevo, escrevo porque sinto e porque vivo.

Escrevo na expectativa de poder recordar, de poder mais tarde olhar para trás e voltar a ler-me. Escrevo porque os meus dedos assim o dizem para fazer, sem medos e sem vergonha. Neste momento de paz que encontro comigo mesma, com tudo o que faz parte da minha vida, e com tudo o que não faz parte, também. Sou um conjunto de partes, que se cruzam e partes que se estilhaçam no Universo. Sou parte de um todo, de mim.

Sou eu, apenas eu. Sou eu, apenas o desejo. Sou eu, apenas a vontade. Sou eu, apenas a estadia.

Sou eu, apenas vida.

Dani

PS: Este texto foi escrito no dia 16 de outubro.

Imagem: fear - duncan cumming

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma