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Os lugares onde pertenço

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 3 de outubro de 2018 · 3 mins read
Os lugares onde pertenço
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Às vezes sinto tristeza, uma tristeza muda e surda. Uma tristeza calada, uma tristeza sem voz nem coro. Uma tristeza. Sinto porque não posso, nem sempre posso e porque muitas vezes não posso. Quero estar e não consigo. Mas a cada momento, uma tristeza mais. Mais uma pessoa, mais um desrespeito, mais uma morte. Sinto-o presente, como meu e teu, mas simultaneamente nosso. Porém, sinto que não consigo lá estar, não chego a tempo… não fui capaz… perdi mais uma vez.

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Na tristeza vem a angústia, o mal estar, a dúvida e a incerteza, na tristeza também vem a morte… uma morte de quem vive para quem existe. Uma morte crua, pura. No entanto, amor também é isso. É morrer, deixar-se morrer. É morrer para renascer, é morrer para acordar, é morrer para ser uma fénix. O amor também é isso. Ser uma fénix. A morte é apenas uma interpretação da vida, a morte é apenas uma metáfora para a existência, a morte é apenas uma forma de falar do mundo que conhecemos.

Porém… esta morte é metafórica. Há a morte do físico. A morte que nos leva e não nos deixa ficar. Aquela morte que nos desconecta das nossas emoções, sentimentos, pensamentos, questionamentos… é uma morte que nos leva de vez… para não voltar mais. Essa é uma outra morte. Uma morte que acompanha a história, os tempos e os espaços… uma morte que acompanha sempre a realidade. A nossa realidade.

Viver fora das normatividades sociais é, muitas vezes, viver em várias mortes. A morte metafórica, a morte emocional, a morte física. É viver para a morte sem consequência na vida. É um estar que não se recupera, danifica para sempre. É um estar que absorve tudo, a energia, a capacidade, o sentir. Simplesmente absorve. É uma morte para o mundo, para si. É uma morte que simboliza violência, uma violência que está cá sempre para ficar. Sempre para nos perseguir. É uma morte possuidora de todas as armas e formas de luta. É uma morte que nos chega através do olhar, das palavras, da escrita, do estar, do actuar, do viver. É uma morte que nos chega por tudo o que nós temos e queremos ter, por tudo o que não temos e não queremos ter… por tudo o que desejamos: amor.

Dizem-me que não é sobre mim, dizem-me que não é sobre mim em especial ou dizem-me que talvez não seja sobre mim. Porém é sempre um bocadinho sobre nós, é sempre um bocadinho sobre nós em especial, ou certamente será sobre nós. No entanto veicula-se, veicula-se o discurso, o ódio, o desrespeito, o despejo emocional, a redução do ser. Nunca é nada sobre nós até ser tudo sobre nós. Quando não nos respeitam, em vida ou na morte, quando não nos humanizam, quando nos invadem em continuidade com o poder que querem exercer, quando nos provocam, quando roubam o ar que respiramos… é sobre nós. É tudo sobre nós. Tudo.

A dor não se transmite, mas pode-se compreender. Hoje e como em outros dias já estive, a tristeza pesa-me. Porque não pude estar lá, não posso estar lá, não poderei estar lá sempre. Hoje, nas mensagens, nas palavras, nas reacções, nas leituras e escritas… hoje a tristeza invade. A tristeza encerra todas as histórias que sinto e volto a sentir todos os dias. Hoje a tristeza invade.

Porque gostava de não ler mais uma frase de ódio, porque gostava de não ouvir mais uma palavra de ódio, porque gostava de não ter mais ninguém a morrer, porque gostava que a morte fosse respeitada, humanizada, sentida. Porque gostava que o mundo fizesse uma pausa para pensar nos seus actos, nos seus dizeres. Porque gostava que o mundo conseguisse partilhar a dor de quando mata. A dor de quando invalidada, a dor de quando faz desaparecer nas suas próprias acções de poder.

Por favor, não nos matem a cada instante.

Dani

Photo: Luke Detwiler

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma