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O sol e a lua

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 10 de agosto de 2020 · 3 mins read
O sol e a lua
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O sol brilha, o vento corre suave, o mar está calmo, a areia quente. Um passo, dois passos, deito-me, a toalha estendida, a sombra do chapéu. Respiro. Fecho os olhos. Adormeço. Começo a sentir o calor emanar pelas minhas costas, já não é o sol a queimar-me, sou eu a queimar o sol. O sol, aquela entidade omnipresente, nem sempre o vejo, mas está lá. Ele escuta o céu, e percorre os ouvidos. Quando não o vejo, oiço-o. Presente, ele está lá. Sinto o calor emanar pelas minhas costas, já não é o sol a queimar-me, sou eu a queimar o sol.

O tempo passa, passa para mim e passa para o sol… mas eu nasço e o sol está lá, eu morro e o sol lá continuará. O sol é infinito. É infinito, no tempo, no espaço. O sol estará sempre para iluminar, para aquecer, para desaparecer e dar lugar à noite. O sol estará sempre de braço estendido, de mão aberta, com os seu dedos compridos e luminosos. O sol estará sempre. O sol, o sol, o sol, sempre o sol, mas nunca a lua, a sua magia, a sua magnificência. Nunca a lua que trás a noite, o fresco, as luzes da vida escondida. Nunca a lua que traz o detalhe, a forma, a permanência. O sol e a lua. Há quem os considere opostos, complementares, há quem os considere apenas isso. O sol e a lua.

O espaço percorre-se, percorre-se para mim e percorre-se para o sol… mas eu nasço e o sol está lá, eu morro e o sol lá continuará. O sol é infinito. É infinito, no tempo, no espaço. O sol estará sempre para medir o tempo, para dizer quando é dia, para marcar o ritmo da vida. O sol estará sempre a viajar, a dar-se nos caminhos incompletos, a caminhar sem fim. O sol estará sempre. O sol, o sol, o sol, sempre o sol, mas nunca a lua que nos marca as noites, o descanso, a intensidade. Nunca a lua que conversa num assobio melodioso, que cria as lendas, que provoca a razoabilidade. Nunca a lua que desafia a iluminação, que desafia a regra, que procura o seu lugar. Há quem os considere opostos, complementares, há quem os considere apenas isso. O sol e a lua.

Acordei. Viajei. Viajei até um lugar onde o sol e a lua caminhavam em conjunto, dançando e orbitando-se, deixando o terreno e passando para o mundo dos sonhos. Viajei até um lugar onde o sol e a lua estavam nas minhas mãos, na mão esquerda o sol, não mão direita a lua… ou será, a mão direita o sol e a esquerda a lua… Viajei até um lugar onde o tempo e o espaço são infinitos, a direita e a esquerda misturam-se, antecipam-se às lógicas da existência mundana. Acordei. Viajei.

Hoje não me apetece. Hoje não quero. Hoje não tenho vontade. Hoje. Depois de acordar, nada quero, tudo me permito. De mãos dadas, sou eu a queimar o sol, sou eu a iluminar a lua. De mãos estendidas para o céu, agarro-me à terra e entendo-me. De mãos estendidas para o céu, prendo-me nas rochas e procuro-me. De mãos estendidas para o céu, vislumbro para além dos limites, vislumbro para além do infinito. E nesse entendimento, nessa procura e nesse vislumbre que percebo para além do sol e da lua, percebo que sou mais que a antagonia, sou mais do que a contrariedade, sou mais que a ambivalência. Também sou a antagonia, também sou a contrariedade, também sou a ambivalência. Mas mais. Sou também a procura, sou também o entendimento, sou também os limites e o infinito. Sou o que quero ser, sou simplesmente partes de sol, partes de lua, partes de universo. Sou.

Dani

Imagem: Earthshine during the Total Solar Eclipse of August 2017 - Christopher Berry

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma