É novembro, meio de novembro. Estamos a meio da estação de outono, mais perto do inverno e cada vez mais longe do verão… aproxima-se o solstício de inverno, que nos dá o dia mais pequeno do ano. Num espaço temporal em que as estações eram bem demarcadas, começaria o frio, começariam as chuvas e diminuiria o tempo de luz solar. No entanto o tempo está mais instável e consequentemente estes acontecimentos de outono também. Para alguém com crises sazonais este período revela-se agora mais desafiante: se por um lado a incerteza das mudanças de tempo também trazem a incerteza da crise, por outro lado, também a sua instabilidade traz a incerteza de como nos vai afetar naquele momento. Muito, pouco? Assim, assim? Não sei…
Há umas semanas que não me venho a sentir bem, tendo-se tornado mais difícil nas últimas duas. O esforço imenso que faço diariamente para sobreviver mais um pouquinho é tremendo, é duro e é angustiante. Respiro fundo…, mas respirar fundo não é suficiente. Fecho os olhos e procuro o silêncio…, mas o silêncio não é suficiente. Deito-me e tento dormir…, mas dormir também não é suficiente. A vontade de viver acabou e a vitalidade desapareceu deste mundo. Custa-me, tudo me pesa, tudo me é difícil e requer imensa energia que não tenho. Quero acreditar que é só uma crise sazonal, que vou ficar melhor e que vou sair deste lugar escuro, sem luz - enquanto tiver a esperança de que vou sair é positivo, piores são os momentos em que não consigo ter essa consciência, que tudo me parece longínquo, distante e frio.
A minha capacidade de sociabilização está reduzida a nada, custa-me falar, custa-me estar presente, custa-me viver o momento. Tudo se torna um peso, uma dificuldade sem medida possível. Os meus gatos bem se aproximam de mim, procuram-me e eu não lhes consigo dar a resposta que sempre dou. Um gesto, um mimo ou uma festa, mas não consigo. Não consigo. Procuro escrever para me ajudar, procuro colocar em papel os pensamentos que me chegam e que me atravessam, mas até isso é um exercício difícil, muito difícil - a vontade não é muita, a dificuldade é demasiada. Olho lá para fora e só quero ficar cá dentro, escondida dentro de um cobertor, sem que ninguém me veja, sem que ninguém me procure e sem que ninguém dê por mim.
Às vezes assusta-me a quantidade de vezes que irei passar (e já passei) por estes ciclos na vida, quantas vezes ficarei assim, quantas vezes quebrarei sem motivo aparente, sem causa e consequência. Quantas vezes acordarei sem vontade de acordar, sem vitalidade ou vontade de estar no mundo. Assusta-me porque é duro, muito duro. Não é impossível de viver, mas não deixa de ser duro. A medicação certa ajuda, a terapia certa ajuda, mas há sempre momentos em que vamos ao engano da própria vida. Vamos ao engano do que conhecemos ser certo para nós. Dói-me. Tudo me dói. Tudo me deixa bloqueada e sem energia. Saboto o meu dia, as minhas relações, o meu trabalho, a minha vida social. Saboto porque o lugar da dor é-me confortável, é-me conhecido, é-me próximo.
Quando se tem um diagnóstico de Bipolaridade que, também, se desenvolve sob uma PSPT-C (Perturbação de Stress Pós-Traumático Complexo), o pesadelo existe no passado, no presente e no futuro. As crises ficam incrivelmente mais vividas, mais presentes, mais corporais. O corpo fala e o corpo diz. O corpo fala muito e o corpo diz muito. O corpo fala dor e fala sofrimento. O corpo dói e o corpo sofre. A minha mente navega entre o trauma e a realidade, deixo de saber onde estou: não sei onde estou. Tudo me parece igual, tudo me parece uma fita riscada, um rolo desmedido com a mesma imagem sempre e sempre, sempre e sempre. O mesmo símbolo, o mesmo significado, a mesma representação. O simbólico que é também real e o real que é também simbólico. Tremo, tremo muito. Espasmos, dor.
Resta-me ter paciência, mesmo muita paciência comigo mesma. Entender e respeitar o meu próprio espaço, cultivar a empatia por mim, semear o cuidado e o carinho que mereço. Resta-me esperar, esperar e esperar. Organizar as ideias e repetir várias vezes que isto será só uma fase, nada mais, nada menos. Repetir até acreditar, repetir até ter a certeza, repetir até sair deste lugar. As várias etapas da minha vida são marcadas por momentos assim, descidas e também subidas abrutas, mas com o tempo têm-se dissipado, têm tido menor escala. No entanto não desaparecem… porque há marcas que nunca vão desaparecer.
Preciso sentir o meu próprio amor… preciso sentir-me, voltar a montar todos os pedacinhos em que me desfiz, em que me parti, em que me dissociei. Preciso de voltar a mim, a não olhar para o meu corpo como um estranho pedaço vivo sem alma, preciso de o reconquistar, ser meu… ser agente dele.
Preciso.
Simplesmente preciso.
Dani
Imagem: Depression. - Mary Lock