Existem muitos momentos que não podemos controlar, existem muitos momentos que não podemos decidir. Existem, também, momentos em que apenas podemos gerir os danos que nos são causados directa ou indirectamente, conscientes ou inconscientes. Momentos em que precisamos de reforçar as nossas energias, o nosso bem estar e reencontrar-nos novamente num mundo que está sem luz e calor. Nesses tempos existe a noção que queremos desistir, que necessitamos parar a realidade e parar tudo o que nos rodeia. São momentos - passados - num mundo frio e escuro.
Nos meus 18 anos parti para um local novo, uma realidade nova, muito diferente da minha típica vida num meio pequeno e ultra conservador. Foi nessa época que consegui, de alguma forma, começar a explorar diversas questões pessoais que se interpunham na minha forma de ver o mundo. Algumas delas relacionadas com o meu género, outras com a minha sexualidade e outras com a minha orientação relacional. Foi num impulso de descoberta da minha orientação sexual que consegui pela primeira vez dizer que me tinha apaixonado, porém foi pouco depois que entendi que já me tinha apaixonado antes, mas de uma forma diferente. Gostava de um amigo, bastante. Gostava da relação que eu tinha com ele e da amizade que mantinha com a sua companheira. Para mim era um amor platónico que existia e, confesso, ainda hoje me toca. Era uma relação que me fazia feliz, na medida da sua existência. Foi o meu primeiro contacto com um formato de relação não convencional. Percebi que gostar e amar não têm de ter regras, mas sim sentires e permissão intra pessoal para o fazer.
Foi parte dos meus anos seguintes desconstruir estas ideias, mas sentia alguma culpa pela forma como via o amor e as relações, sentia que o meu amor poderia valer menos, valer nada ou tão pouco, não existir. Sempre me mantive em relações mono normativas, mas há 4 ou 5 anos achei a palavra poliamor. Identifiquei-me à primeira, finalmente algo que se aproximava ao que sentia. Continuei isolada, não consegui conhecer ninguém com essa experiência. Permitia-me sentir a felicidade das relações das pessoas que me acompanhavam, mas estava encurralada na minha própria forma de sentir… menor.
Depois de um coming out enquanto pessoa pansexual, poliamorosa e depois como rapariga trans não binária, as complicações intensificam-se. Sempre senti a invalidação da minha sexualidade, senti um amor considerado vazio e sem compromisso, uma identidade inválida e inexistente e a somar, sofrer de um problema de saúde bastante estigmatizado.
Porém, neste Verão aprendi que apaixonar-me num período de crise de saúde não é saudável - mas claro, não posso controlar estes momentos. Não me permitiu fazer uma gestão adequada do que sentia e da forma como o transpunha para uma realidade externa a mim. Querendo minimizar os danos, querendo não sentir o meu amor por quem já amo menor acabei a esgotar-me na minha própria crise e no meu próprio envolvimento. Fiquei sem forças na primeira vez que assumi abertamente que tinha uma segunda paixão.
Sermos gostados pelo que somos é maravilhoso, mas também é destrutivo quando sentimos deixar de o ser - ainda que seja um sentir negativo apenas nosso, interior. Sentir isso é legítimo para quem for, ninguém deve gostar ou não gostar por força, é uma dinâmica pessoal e própria. Mas estar do lado do questionamento é, muitas vezes, sinónimo de dor. No meu caso em particular, quando me vejo a recuperar de um ponto onde sentia o meu valor próximo de nulo, com tantas questões que se propagam num curto espaço de tempo… esse questionamento assume uma força bastante destrutiva que me fez regredir na minha percepção pessoal. Num misto entre crise de saúde e outros factores, sinto essa dificuldade.
É importante ter consciência da minha necessidade enquanto pessoa e daquilo que sou e para onde vou. Num primeiro contacto fui abalada por uma tristeza enorme, desfiz-me em mim e na minha própria noção de existência… em quem eu sou e o que faço. Entender que esta auto-destruição do pensamento é causada essencialmente pela nossa insegurança é um passo muito importante. Deve-se entender que a mensagem é construída entre um emissor e um receptor e o seu valor, por vezes, é diferente para ambos. É importante, também, entender que muitas vezes sentimos o que nos é mais fácil sentir, o que nos é mais próximo sentir. O auto-questionamento, a dúvida pessoal são os caminhos que percorro mais facilmente, são os caminhos que faço num momento de tensão e dificuldade.
No fim, a esperança e o progresso sempre, porque a experiência abre-nos novos mundos e novas possibilidades. Querer lutar, aprender e construir para que a cada momento um surja mundo passado quente e luminoso.
Dani