LEITURA,

Leitura - 1984

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 19 de novembro de 2014 · 2 mins read
Partilha

Mil Novecentos e Oitenta e Quadro, conhecido simplesmente por 1984, de George Orwell (1903-1950 - pseudónimo de Eric Arthur Blair) foi um dos livros presentes na minha lista de livros a ler já há algum tempo, tendo tido nos últimos meses oportunidade para o ler. Resumindo, 1984 é um romance distópico clássico, ou seja, promove o sentido de uma contra utopia, a criação de uma ficção negativa, uma filosofia que possui uma carga totalitária e autoritária. Em 1984 é representado um Estado autoritário, ditador, uma sociedade disrupta nos seus princípios fundamentais. É, também, uma excelente referência ao passado e ao futuro, ainda que, o alvo direto da sátira fosse o regime estalinista, o capitalismo e o capitalismo de estado.

Na minha opinião, 1984 não fica apenas pela mensagem político-social, pelo desmantelamento de um caminho perigoso, de uma realidade que, na generalidade aceite, capaz de existir. 1984 é, não só, uma perspectiva do passado, é uma visão do futuro. Porém, queria ir mais longe do que esta concepção. Acho que Orwell foi capaz de ir mais longe do que isto.

Quando li o livro, chamou-me a atenção uma mudança clara no discurso do autor. A dimensão das palavras usadas nas duas primeiras partes do livro é totalmente diferente da dimensão usada na última parte. Diria até mais, o discurso é do mesmo autor, mas fiquei com a sensação que a vivência nesses períodos foi totalmente diferente. O discurso não flui da mesma maneira, a mesma frase não significa o mesmo. O regime descritivo presente nas primeiras partes deixa de existir. A terceira parte foca consecutivamente um termo “sentir”, ao contrário das primeiras partes que clarificam o “viver”. Na minha leitura, o choque trazido por 1984 não foi a capacidade totalitária do Estado, a ideia de controlo, o autoritarismo, a oligarquia ou o capitalismo de Estado, mas sim, a capacidade de conseguir dissociar de uma forma inteligente o sentir do viver. A novilíngua não foi só um método capaz de controlar, mas um método de incapacitar, de regredir a ideia humana até ao mais puro instinto animal. É aqui que eu dou maior enfâse à capacidade visionária de Orwell.

Na sociedade capitalista que conhecemos, naquilo que necessitamos dela e naquilo que rejeitamos, a visão de Orwell é detalhada, é promonorizada e tangivél. Porém, esquecendo integralmente a visão política e social, a metodologia de Orwell usa para invalidar a própria existência humana como um todo é magnífica. As salas de tortura não são meros meios de limpeza do regime. São representações da própria sociedade, da própria necessidade humana de interiorizar e renegar a sua própria existência até ao último limite. Tornar a sua consciência inconsciente, consolidar no Homem a sua própria natureza irracional, incapaz, medrosa e instintiva. A mudança de discurso de Orwell reduz aquilo que nós temos de vencedores, naquilo que nos torna os maiores derrotados sociais. O outro.

1984 continuará a dar-me alguns momentos para pensar, continuará a permitir-me levantar mais questões. Acho que Orwell não acabou a sua mensagem, não acabou a sua visão. 1984 não terminou.

Boas leituras,

Dani Bento

Daniela Filipe Bento
Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir
escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma