geral,

Hoje, invisibilidade... na visibilidade

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 29 de janeiro de 2015 · 4 mins read
Partilha

Hoje, pessoalmente, foi um daqueles dias… A nível pessoal os últimos meses têm sido positivamente intensos, porém (e como é óbvio) nem sempre os dias são melhores do que os anteriores. Há momentos. Há bastantes momentos. Por vezes, há momentos rápidos, outros momentos longos, outras vezes não existem. Hoje, pessoalmente, foi particularmente mau.

O relato de um caminho não pode ser construído apenas das conquistas ganhas sem medo. Também é importante clarificar que existem buracos e barreiras e que, por vezes, andamos ligeiramente para trás. Não porque não sabemos para onde vamos, mas porque é necessário repensar determinadas ideias ou, porque simplesmente precisamos de ganhar alguma energia e observar com atenção os obstáculos.

Os últimos dias têm sido tensos, soma-se à questão pessoal a época de exames, a gestão de tempo, a disponibilidade mental e emocional para, também, continuar a manter um ritmo de trabalho, no emprego, compatível com as exigências. É, deste modo, necessário entregar-me a um esforço maior o que aumenta a probabilidade de ter um momento menos bom, de ter mais dúvidas ou ter mais dificuldade em estar em pleno.

Após uma noite sem dormir, a minha sensibilidade durante o dia disparou e, pela manhã, no momento em que coloquei um pé fora de casa foi evidente que iria ter um dia difícil. Nós somos seres sociais e, em parte, é difícil desligarmo-nos da aceitação social e da integração em sociedade. O problema de viver uma “questão” de difícil acesso emocional não é só relativo à dificuldade em procurar empatia na resposta do outro, mas inclusive relativo à dificuldade em compreender o nosso próprio estado. Para mim (e falo disto com base na minha experiência pessoal), é importante desvincular o momento e a “questão”, a dúvida e a pergunta. Importa-me entender que o momento é apenas um momento, é uma dificuldade pontual que pode estar associada a muitos factores (internos ou externos) e não um problema de integração social. Importa-me, também, compreender que a dúvida não põe em causa a minha pessoa, mas que me ajuda a desenvolver mecanismos para gerir determinadas emoções. Esta consciência permite-me sentir (tristeza, cansaço, apatia…) sem colocar em causa todo o progresso que tenho feito ao longo do tempo. Permite-me tornar claro entre o que é a dificuldade real na sociedade e aquilo que é sentido apenas por mim e que não corresponde, na generalidade, ao sentimento do outro.

Como já referi num artigo anterior a minha imagem “exterior” levanta muitas questões nas pessoas que me rodeiam (principalmente as que não me conhecem), mas é algo transitório e, mesmo que não fosse, é uma expressão social tão válida quanto qualquer outra. Os comentários, as vozes que vão caíndo aqui e ali. O meu objectivo é sensibilizar (educar) e não impôr aquilo que sinto e, como tal, penso que a falta de informação apenas pode ser combatida com a transmissão da mesma e é sempre o que procuro fazer. No entanto, o coração às vezes fala mais alto (que se nota em alturas de maior cansaço) e a sensibilidade aumenta. Comentários ligeiros tornam-se num turbilhão pessoal.

Na escola (talvez porque a malta é nova) tenho tido sempre algumas reacções meio adversas. Passei a manhã na escola (exame) e, apesar de não acontecer nada, fui eu que acabei a sentir a adversidade. Fui eu que acabei a sentir diferença onde ela não existia, fui eu que acabei a sentir afastamento onde nada se mexeu. Fui eu que me senti deslocada, não integrada, sem lugar nenhum. Este sentimento perdurou o resto do dia com o acumular do cansaço. Quase todos os segundos foram contados para que me pudesse esconder o mais depressa possível. Ninguém me excluíu, ninguém me tratou mal. Fui eu que o fiz. Fui eu que, cansada, não consegui mandar no coração e evitar eliminar-me da sociedade, destruir a minha presença e, com isso, levar a reboque uma série de pensamentos cíclicos e vazios.

Hoje, não foi o mundo a fazer-me mal, fui eu a sentir o mundo na visão que por vezes tenho de mim. Estes buracos também se apanham, buracos que podem ser mais fundos, mas que importa perceber que é um momento, é finito.

Amanhã é outro dia e será melhor que o dia de hoje. Aos poucos, a energia restaura e o sorriso volta.

Já agora… hoje marca-se o Dia da Visibilidade Trans. Marca a data da primeira campanha brasileira contra a transfobia em representação de todos os grupos que subvertem a heteronormatividade e cissexismo das relações humanas.

Dani Bento

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma