geral, bipolar,

Estou numa fase de depressão, e agora?

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 21 de setembro de 2016 · 5 mins read
Estou numa fase de depressão, e agora?
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Este texto não tem um alinhamento, este texto não tem uma linha condutora, este texto não tem um objectivo. É um conjunto de palavras vazio de propósito, sem maquinista e sem qualquer espécie de conexão. É um texto para transpor da mente para as letras, é um texto para transpor da ideia para a concepção, da concepção para o momento. Palavras que uso como a ferramenta mais poderosa que tenho.

Depressão

Quando escrevi a primeira palavra do que aqui vejo no ecrã já tinha pensado no texto inteiro. Nas palavras que queria transpor. Antes de pegar no computador estava deitada na cama, escuro, fechada no meu pensamento… precisei, precisei pensar nas palavras, precisei de transpor para algum lado o que me ocorria. Verdade, já me esqueci do texto todo que queria escrever, das ideias, dos fragmentos e dos pedaços. De tudo. De tudo o que me esqueci, resta o pouco que me lembro, a vontade que ficou. A vontade que ficou de pegar no computador que estava no chão a um canto, de lhe tocar, de colocar os dedos nas teclas e iniciar a minha escrita desnaturada, perdida, sem sentido, sem caminho.

Quis escrever este texto nesta fase, especialmente nesta fase. Estou deprimida, muito, ainda não recuperei da crise que vinha a ter desde o Verão, estou instável, os meus músculos doem, o meu corpo transporta dor por todos os poros. Estou deprimida, estou triste, estou abalada, estou abatida, estou num mundo vazio e sem sentido. É onde estou, é onde me encontro, é de onde quero sair. Quis escrever este texto para que mais tarde o possa reler, não como todos os outros textos que escrevo à mão, que mantenho em diário, mas como construção da minha própria recuperação. Eu quero recuperar. Eu quero sair deste estado. É-me importante ter este ponto de controlo, um facto, uma imagem, um desenho, uma fotografia do meu estado, daquilo em que penso e daquilo em que não consigo pensar. É um ponto, é uma iniciativa, é um exercício de construção pessoal, de luta. De permanente luta. Os meus dias são luta, mas cada palavra é um gesto e uma acção. São balas da minha poderosa arma, a minha própria discussão interna. Uma arma que funciona nos dois sentidos, a favor e contra.

Escrevo sem limite e sem pensar, não espero retirar deste texto nenhuma conclusão, não espero que este texto fique bonito, só espero que este texto fique cru, muito cru, como acabado de nascer, acabado de sair do seu estado embrionário. Puro. Fechado em si mesmo e naquilo que ele próprio significa. Eu escrevo, as palavras vão saindo. Não paro para pensar, paro para tocar em letras diferentes. Estou deprimida, estou abatida, estou triste e dorida. Estou incapaz. Estou incapaz.

O meu braço direito dói-me, o meu joelho esquerdo dói-me. Estou com espasmos na perna direita. O meu gato está sentado ao fundo, ele vê-me, eu não o vejo… está escuro. Só vejo uma pequena luminosidade pelo espelho que me está frontal… o reflexo da luz do computador. O meu quarto continua desarrumado na escuridão. Papéis que se espalham, roupa empilhada, sacos por todo o lado… máquinas fotográficas, headphones, sapatos espalhados pelo chão. Os livros acumulam-se por ler por todo o lado, os jornais espalhados ao lado da cama. Quero andar, não consigo. Afundo-me. A confusão reina o meu mundo, a confusão reina o meu espaço, a confusão reina o meu estado. Roupa que me espera, comidas que ficam por fazer, gritos que ficam por dar. Gritos. Muitos gritos.

Não penso no fim, nem no principio. Não penso de todo. O meu pensamento está a protelar o seu próprio estado. O meu pensamento está viciado, está parado, está enojado. O meu pensamento está. Quero escrever o quanto o som me atinge, o quanto a luz me fere, o quanto o movimento me cega. Quero escrever o quanto o mundo me destrói, quanto o meu interior me corrói. Quero escrever, porque quero escrever e apenas porque quero escrever. Ao meu ritmo.

Puros os modos de pensar, vazios os modos de entender, fraca de entendimento, falha-me a acreditação, falha-me o acreditar, falha-me o sentir, falha-me o entender. Falha, porque me falha. As vozes das pessoas soam vazias, soam ocas de sentido e significado. As palavras pecam pela sua capacidade. A minha doença fala por mim, ela diz-me que não devo acreditar, ela diz-me que as pessoas são mentirosas, ela diz-me que na realidade eu não tenho valor, ela diz-me que eu não existo, ela diz-me que sim, que não deveria existir. A minha doença matá-me por dentro, suga-me por fora. A minha doença diz-me, mas pior, diz ao mundo que sou isto. Apenas isto. Dor, tristeza, sofrimento, pessimismo. A minha doença diz que o mundo cai e eu caio com ele, a minha doença diz que estou lá para cair e que vou cair e que caio. A minha doença diz e faz-me acreditar nela.

Ela fala por mim a cada instante, não me deixa ser eu, perturba-me, substitui-me. Apaga-me. Apaga-me completamente. Escrevo, porque escrevo no momento em que eu falo pelo que a doença fala. Eu falo pelo que não quero que ela diga porque não sou eu, é ela! É ela, a malvada. Eu escrevo porque tenho esta arma, esta arma que permite demolir, que me permite andar, que me permite caminhar. Agarro-me às palavras… agarro-me a elas, combato com elas. A doença quer dizer que eu não sou, eu vou-lhe dizer quem eu não quero ser. Vou. Porque no fim, eu sei, por muito que estas palavras estejam contra o que sinto neste preciso momento, eu vou, eu vou vencer. Vencer.

Dani

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma