Hoje é dia 31 de Março, Dia Internacional da Visibilidade Trans. Este dia comemora-se desde 2009 com o objetivo de celebrar positivamente todas a comunidade. Projetando, assim, a visibilidade e histórias positivas. É um dia importante para a consciência de que nós existimos, de que fazemos parte, que merecemos vidas dignas e que queremos ser livres das amarras de um sistema que nos condiciona em todas as frentes.
Nos últimos anos, a visibilidade de pessoas trans/não-binárias ou outras identidades dissidentes parece ter aumentado de uma forma crescente. Mais do que nunca temos entrevistas, artigos, workshops, debates e apresentações sobre tudo o que nos envolve. No entanto, muitas vezes é importante ter um olhar crítico sobre todas estas atividades. Será que realmente nos estão a trazer mais visibilidade? Ou será que essa visibilidade também é condicionada pela forma como os media retratam as nossas vivências? Ou será que essa visibilidade continua a colocar-nos na posição da diferença?
É sabido que durante muitos anos, e ainda atualmente, pessoas que se identificavam com qualquer identidade não hegemónica eram condicionadas pela sociedade, pelo aparelho médico, pelo Estado para se normalizarem de acordo com as regras de género vigentes. Homens de um lado, mulheres de outro lado. Esta pressão continua a existir. Um dos problemas que assisto é o facto de que, na sua maioria, a visibilidade que existe é sobre um tipo muito característico de pessoas trans, pessoas que na sua vivência estão de acordo ou muito próximo das normas sociais. Muito raramente é dada visibilidade a pessoas que saiam fora dessas normas.
Por outro lado, a visibilidade que nos dão ainda continua a ser aquela que nos remete para os seres especiais e diferentes, que nos coloca no centro da trama pelo nosso sofrimento. Não aquela que nos coloca no espaço e tempo das pessoas que existem no seu quotidiano, que existem nas histórias de quadradinhos, ou nas novelas, ou nas séries… não por terem uma identidade dissidente, mas por serem parte integrante da diversidade humana na sua plenitude. Continuamos a ser as pessoas que são chamadas especificamente para falar de questões sobre identidade de género, mas nunca as pessoas chamadas para falar de ciência, política ou arte.
Neste mesmo sentido, as histórias que prevalecem continuam a ser aquelas que retratam o sofrimento, que retratam as dificuldades. Não as que tecem a crítica ao sistema, que colocam as pessoas cis no centro do problema, que colocam a transfobia e as regras de género como um problema que deve ser combatido. A visibilidade continua a estar nas cirurgias que fazemos ou não fazemos, mas nunca em como o sistema de saúde é parco e violento no acompanhamento. A visibilidade continua a estar nas crianças que têm uma família que não os compreende, mas nunca na família que tece violência e sofrimento nas mesmas. A visibilidade continua no lado errado da história.
Com isto não digo que a visibilidade não seja importante, mas acredito que é necessário reestruturar a maneira como queremos que estes assuntos sejam debatidos e integrados na sociedade. É preciso tirar o foco da pessoa que é diferente, para focar na pessoa que causa o problema. Uma troca de papéis, uma troca de narrativas… olhar para o problema estrutural e não apenas para o problema individual, para uma pessoa em concreto - muitas vezes assumindo que esta experiência se replica por todas as outras pessoas, assumindo a unicidade da experiência e não a sua pluralidade.
Queremos festejar a nossa existência, mas que esse festejo seja todos os dias, que esse festejo seja por estarmos verdadeiramente a ser incluídas enquanto pessoas. Queremos festejar a diversidade e a inclusão, queremos festejar a liberdade. Porém sinto que este festejo só se torna eficaz se no mesmo tempo festejarmos a crítica e a mudança estrutural.
Dani
Imagem: 2018.05.19 Capital TransPride, Washington, DC USA 00484 - Ted Eytan