Toco em cada tecla com a energia que me resta, tocar no próprio teclado traz-me dor, dor física e psicológica. Física porque sinto dor, dor e dor. Psicologicamente porque me sinto em esforço para conseguir escrever uma palavra frente a outra, sem apagar tudo e recomeçar outra vez. Um balanço que me custa manter. Sem energia sigo, e vou seguir. Procuro-me. Procuro-me nas palavras para dar voz a algo que não sinto capacidade para. Nem sei se este texto terá um fim, não sei se teve um princípio ou meio. Escrevo no presente, talvez venha a acabar no passado.
Fecho os olhos, escrevo com a memória mecânica para onde me hei-de dirigir com as teclas, não vejo o que escrevo, sinto-me melhor, sinto-me mais confiante do que vai aparecer no ecrã. Não porque as frases vão saindo, mas porque… porque… porque a emoção encarrega-se de decidir o que se passa na escuridão e no silêncio. Uma emoção que se vê atrelada a um sentimento de impotência e incapacidade. Sinto-me impotênte, sinto-me incapaz… sinto-me a pior pessoa do mundo. Sem capacidade de resposta, sem capacidade de gerir os meus próprios estímulos. Cada dia carrega um esforço de tentar acreditar que vale a pena, que vale a pena… que há valor e sentido.
O cansaço dominou-me os dias, dominou-me o corpo e a minha saúde mental. Um ciclo que fecha em si mesmo, o cansaço físico gera-me incapacidade emocional e incapacidade emocional gera-me cansaço físico. Pelo meio ficam todas as coisas que cá estão a tocar-me e não consigo ainda decifrar. Pelo meio ficam os milhares de comboios de alta velocidade que neste momento passam à minha frente, cada janela uma ideia, um pensamento. Um pensamento que chega e desaparece, os comboios não param. E a minha corrida não é suficiente para os acompanhar. Vejo o mundo a andar depressa, como se o dia fosse longo, mas curto. Tão depressa existe, como desaparece. Tão depressa estou, como não estou.
As interações são difíceis, falar cansa-me, estar cansa-me, olhar o mundo cansa-me. Não só as atividades do dia a dia são um exercício difícil para as conseguir minimamente fazer, como sentir o quer que seja tornou-se um desafio. O sentimento de culpa por não conseguir agir transversa as minhas veias, o sentimento de culpa por não conseguir naturalmente estar melhor.Temos de corresponder a um circuito social de quem está, está sempre em prontidão. Não estou aí, não estou preparada, não estou preparada para. O meu corpo não responde, o meu corpo pesa mais que um sol, o meu corpo escurecido por uma distância de anos luz a uma fonte luminosa. Não é uma questão de querer.
Volto a tocar neste texto, entre o que escrevi acima e o que escrevo agora passou mais uma noite de curta duração, ainda que tenha conseguido descansar um pouco mais. Mas… ainda não é suficiente. Ainda não é suficiente este descanso. Numa fase onde não consigo agarrar pensamentos, também não consigo desconectar nem descansar. Como se estivesse sempre presente alguma coisa. Um estar é sempre desmultiplicado por vários estares.
Por outro lado, acredito que fiz melhor desta vez. Caí, mas depressa (ou tão depressa quanto consegui), sinalizar os sinais de queda e reforçar os meus processos terapêuticos a tempo. Lembro-me que em 2019, quando percebi estar a entrar em crise já estava num estado de bloqueio total. O medo de acontecer o mesmo que aconteceu nesse ano está presente, mas quero acreditar que sim, estou a fazer diferente.
Escrevo. Escrever é terapêutico para mim. Escrever é entender-me e achar-me. Por vezes achar-me vulnerável e frágil é sinónimo de construção, de olhar para dentro e fazer chegar a minha voz até mim mesma. Não posso deixar de lado as incongruências nos meus próprios sentires. Como se no mesmo processo de escrita caminhasse entre a escuridão e aos poucos me fosse revelando de outro modo. Escrever não me deixa sem dor ou dificuldade, não me deixa intocável, pelo contrário, escrever faz-me ter consciência da minha dor e das minhas dificuldades, do meu lugar de fragilidade. Escrever ajuda-me a organizar o meu pensamento, obriga-me a tentar procurar focar-me num sentir, numa emoção ou dificuldade. E isso sim, é organizador para quando releio e entendo em que fases estou.
Não deixei de me sentir a pior pessoa do mundo, não deixei de me sentir incapaz ou impotente perante o meu estado. Por quanto, ajudou-me a nomear estes sentimentos e muitos outros que se colocam e colocaram nestes dias. Sei que fiz diferente, e quero acreditar que estou a fazer diferente e para melhor.
Vou levar uns próximos dias ainda difíceis até que volte a estar mais estável, sei que é um processo que toma o seu tempo e a sua exigência. Até lá, resta-me arranjar estratégias saudáveis para conviver comigo mesma. Sei que vou sair deste poço, decerto que vou. Vou, também, sair com mais capacidades e mais ferramentas. Porque aprender sobre mim é crucial para a minha estabilidade emocional.
Dani
Imagem: Nightmares - Crusty Da Klown