Oiço música, os meus dedos mexem ao seu ritmo, batem na mesa e estalam entre si. Sinto-me pensativa e contemplativa. A calma invade-me o corpo e o sorriso antecede a própria vontade de sorrir. Estou feliz, um feliz de estar, um feliz de entendimento de mim, de resolução e de permanência. Não sabia como começar este texto, mas não me pareceu importante saber começar, mas sim expressar. Porque o momento é de expressão, é de sentir, não é de exposição ou ensinamento. É um texto de mim para mim, mas sobretudo do mundo para a minha alma. Porque na escrita o mundo também comunica comigo. Permite-me.
Observo-me na música, como se cada nota, cada tom, cada instrumento fosse um pedaço de mim. Um pedaço que ecoa pelo conjunto, formando uma melodia… eu sou uma melodia, fluida, contínua, sem princípio nem fim, infinita. Reconheço-me nos altos e nos baixos, nas notas graves e nas notas agudas… Ou até mesmo nos silêncios. Danço o meu corpo e o meu corpo é dançado por esta sequência musical. O meu corpo é vivido pela sua audiência, escutado, sentido. A música não pára, nunca pára, por vezes segue vários caminhos, interpretações, modos diferentes de ouvir a mesma sintonia. Modos diferentes de reconhecer o traço que a caracteriza, no entanto é uma, única. O silêncio é a sua continuidade, é o ponto de mudança, de reestruturação. O silêncio é o próprio existir. Um existir que se transforma, que não é inerte, volve com a acção, com o encanto.
As minhas mãos percorrem-se a elas mesmas, tocam-se, sentem-se. Também elas tocam cada uma das minhas partículas, cada parte do meu eu. O meu corpo reage, empodera-se nesta dança, a dança do mundo. O meu corpo é todo ele um mar de notas, de traços, de acordes e combinações. O meu corpo vive para tocar e ser tocado. Para criar música, para criar construções e reconstruções de si, do espaço e do tempo. Há momentos em que o meu corpo aparenta ser um concerto sinfônico, outros momentos que acha-se nas violentas passagens de uma bateria. Há momentos em que o meu corpo se mostra medieval, outras pós modernista. O meu corpo aparenta tudo o que deseja ser. O meu corpo é como uma rádio que não morre nem nasce, mas acompanha. O meu corpo é uma partitura escrita em folhas de laranjeira. Suave, mas resistente, ao tempo, à mudança e à erosão. O meu corpo não desaparece, nunca.
As mãos deixam de tocar só nelas mesmas, procuram-se na infinidade de possibilidades, encontram-se na sua própria capacidade de se reconhecer em par. Este é o meu instrumento. É a minha máquina de estar, a minha máquina da vida. As minhas mãos procuram em todo o meu corpo o seu destino, o momento em que se devem silenciar para se transformarem. Porque as minhas mãos são como cordas que oscilam, fixas na sua identidade, mas soltas na sua descoberta. Um princípio e fim que podem ser o mesmo. As minhas mãos encontram todas as formas de eu estar, todas as formas de eu me sentir, todas as formas de eu me ouvir. As minhas mãos são como teclas de um piano, suaves, sensíveis, fortes. O meu corpo é como um piano que se deixa levar pelo toque, pelo arrastar dos dedos, pelo envolvimento da emoção. Porque o meu corpo é como um instrumento que não se destrói, re-materializa-se.
As minhas mãos desejam, o meu corpo deseja. As minhas mãos e o meu corpo são como o músico e o instrumento. O meu corpo é para tocar e ser tocado, a música nunca acaba.
Dani
Imagem por Giulia Bartra: soultotake