geral, saúde,

A loucura, a minha loucura

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 17 de abril de 2023 · 4 mins read
Fotografia de um relâmpago no céu com o mar e lua
Partilha

A loucura, a minha loucura. Este pareceu-me um bom título para um artigo. Não tenho a certeza se será o título final, mas era na loucura que reflectia há umas horas no meu diário (Diários). Num momento da minha vida em que me sinto bem, positivamente bem, estável, estruturada e capaz de gerir várias das minhas emoções de forma tranquila e de forma construtiva, procuro chegar a reflexões mais profundas sobre mim, sobre quem eu sou, sobre o caminho que quero percorrer.

Em muitos artigos anteriores escrevi de forma ativa sobre os meus estados emocionais ao longo de processos internos difíceis e que me obrigavam a permear-me entre emoções e sentimentos difíceis, pesados e cruéis. Não nego que, estando neste período de bem estar, o medo está aí. O medo de ver novamente a minha saúde sabotar a minha vivência (Quando a saúde sabota a minha felicidade), quando acordar pela manhã e a depressão estiver aí (Acordo pela manhã…) e o mundo parar (Quando a apatia te rouba o prazer…). Por isso resta-me, de forma ativa, cuidar dos meus estares, escutar o meu corpo e compreender o meu lugar do aqui e do agora – não sou a mesma pessoa que ontem, nem que há um ano, dois ou 10 anos.

Hoje escrevia e pensava sobre a loucura. Sobre a minha loucura. Sobre como habitei e habito esse lugar, de uma forma mais ou menos intensa e mais ou menos descontextualizada de uma realidade considerada válida. Durante muitos anos esse era um lugar de choque para mim, onde as minhas vivências deixavam de fazer sentido, onde o meu mundo passava a ser outro e onde a minha realidade era outra. Entender-me na loucura foi um processo de procura interna, de perceber e reclamar esta palavra para mim, para a minha subjetividade e para equacionar e entender cada momento da minha vida. Penso e volto a pensar, é a loucura também identitária? É a loucura também parte do meu eu como todas as minhas outras identidades? Em que lugar habita no meu corpo? Qual a linha que separa a minha loucura da minha vivência? São questões que ainda não tenho respostas, nem sei se as vou ter em tempo útil.

Lembro e relembro esses momentos de forma clara. As memórias (também corporais) não se perderam e continuam conectadas comigo e com a minha história. Durante muitos momentos na minha vida, não acreditei que fosse capaz de sair de tais estados, não acreditei que era possível sentir uma felicidade pacífica e rica em momentos positivos. Não acreditei que era possível refazer as minhas memórias corporais e psíquicas. Porém, em momentos como estou agora, sinto que a minha subjetividade permitiu-me fazê-lo. Permitiu-me chegar a lugares onde sentia que não tinha possibilidade de chegar, permitiu-me ser quem sou hoje. Permitiu-me ser eu.

Poderia escrever sobre estes momentos, sobre estes estados, sobre o que sentia e o que vivia. Poderia ser descritiva. Poderia ser explicativa. Poderia ser concreta. Mas é mesmo necessário? Reviver estes processos é também um momento de intimidade com a minha mente, com os seus momentos mais horrorosos, mas também os seus momentos mais caóticos e transformadores. Por quanto, quero preservar essa intimidade.

Não vou nem irei esquecer. Mas acima de tudo, faz-me acreditar que posso viver e posso estar em paz com consciência da minha loucura, da minha subjectiva loucura. As memórias farão sempre parte da minha existência, no entanto, sei o lugar que ocupam, sei de onde vêm e como vêm. Não domino o meu sub-consciente, porém, posso conscientemente cuidar da minha felicidade e dos meus estados de estabilidade. Posso conscientemente cuidar das minhas emoções, recebê-las e vivê-las como devem ser vividas, sem medo, sem rejeitamento, sem tabu.

Sentir-me bem, positivamente bem, estável e estruturada não é não sentir tristeza, não é não querer chorar, não é não sentir dificuldades. É sim, a tristeza, o chorar, as dificuldades, as facilidades, o riso e a alegria. É poder viver o espetro das emoções de forma completa, entendendo que fazem parte das nossas vivências e dos nossos momentos.

Ainda que o medo ocupe um lugar no meu pensamento e no meu sub-consciente, quero viver o que estou a viver agora, de forma honesta comigo e com quem eu sou. Porque, se há uns anos a minha loucura era um alvo preferido da minha racionalidade, hoje em dia, é a minha emocionalidade que conduz quem eu sou.

Dani

Imagem: the lightning and the moon - CLAUDIA DEA

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma