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A lista de tarefas

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 7 de novembro de 2019 · 4 mins read
A lista de tarefas
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A cada dia uma lista de tarefas, pequenas, muito pequenas: vestir, tomar pequeno almoço, tomar comprimidos, comer… vivo a passos curtos. A cada tarefa a oportunidade de descansar um pouco, fechar os olhos e deixar-me ficar. Levanto-me, com enorme arrasto, mas levanto-me para a tarefa seguinte. Às vezes até consigo fazer duas tarefas seguidas como, por exemplo, varrer a casa de banho e mudar a areia dos gatos. No fim de duas tarefas consecutivas estou pronta para mais trinta ou quarenta minutos de fechar os olhos. A dor de cabeça não para, não tem parado… constante. Sempre a moer e faz-se notar mais quando tenho momentos mais frágeis.

Lista de Tarefas

Criou-se um ritual de num dia preparar as tarefas pequenas do dia seguinte. Tudo o que me lembre que posso fazer e que, sensatamente, consigo fazer. Hoje esforcei-me um pouco mais e isso já se está notar… sento-me no sofá e a corrida de pensamentos aparece a uma velocidade louca. Não consigo concentrar-me em nada específico, tudo foge. As imagens, as palavras, os sons… tudo foge. Este processo constante de investir todo a minha energia em algumas tarefas é esgotante e extenuante emocionalmente. Esgotante porque a energia escasseia, extenuante emocionalmente porque estou sempre a ter contínuos pensamentos, contínuas imagens, contínuos sons a propagarem-se pela minha mente.

Neste momento, as minhas emoções estão numa autêntica montanha russa. Subir a um prédio de cem andares, olhar para baixo e atirar-me tem dois significados opostos: porque sei que vou voar e nunca vou cair, porque sei que vou cair deixando este mundo. É num registo de consecutivos sentires antagónicos que vivo. Por um lado acredito que tudo é uma fase e vai passar, por outro lado acredito que tudo é permanente e que não aguentarei mais. Depressa sinto um pouco mais energia, depressa estou esgotada. Os olhos fecham e perco-me nos pensamentos.

Manter uma lista de tarefas ajuda-me a ter uma visão do que vou conseguindo fazer a cada dia, mesmo sendo tarefas pequenas. Ajuda-me a organizar-me. Neste momento algumas rotinas ajudam-me a manter contacto com o mundo: tomar o pequeno almoço, almoçar, tomar banho, escrever no diário, tomar chá, dormir. Ajuda-me a concretizar missões que são quase impossíveis de realizar. Missões que requerem tudo de mim, sem dó nem piedade. Ajuda-me a conseguir tomar acção em alguns sentires: não podemos mudar o que sentimos, mas podemos mudar como reagimos ao que sentimos. Ajuda-me a estabilizar a montanha russa.

Quando consigo ter perspectiva, cada minuto que estou de pé é uma vitória:
Aprendo a celebrar estes pequenos momentos
Aprendo que não estou no meu eu
Aprendo que uma tarefa, por mais pequena que seja, é uma conquista
Aprendo a ser paciente comigo mesma
Aprendo que agora estou lentificada, mas vou deixar de estar
Aprendo que vou ficar bem

Uma das coisas que tem sido muito difícil para mim é sentir que deixei de conseguir fazer qualquer tarefa mais complexa, que possa envolver pensar ou articular pensamento, raciocinar ou ter pensamento crítico. Ler para mim é difícil, escrever continua a ser a esforço. Sentir que todas as grandes tarefas que me mantinham ocupada dia após dia estão encostadas a um canto, impossíveis de ser tocadas neste momento. Porque as minhas vitórias não são neste momento conseguir resolver um problema complicado de Mecânica Quântica ou achar a solução para um problema de desenvolvimento de software, mas sim conseguir levantar, vestir, lavar dentes, tomar banho ou comer. O paradigma mudou. A forma de olhar o mundo é diferente, muito diferente.

Tenho um olhar distorcido, tenho um pensamento complexificado. Ver as pessoas circular na rua continua-me a fazer sentir pequena e incapaz. O movimento contínuo, as pessoas, os carros, os estabelecimentos.

Tudo soa-me a muito movimento e a incapacidade da minha parte.
Tudo soa-me demasiado rápido e complicado.
Ir à farmácia é complicado, mas tenho de ir.
Ir ao parque é complicado, mas preciso de ir.
Ir ao médico é complicado, mas é necessário ir.
Ir à terapia é complicado, mas devo ir.

É num registo de incapacidade temporária que me encontro e melhor para a minha cura e recuperação que aceitar o meu próprio estado e permitir-me estar e sobreviver a cada minuto.

Dani

Imagem: Moleskine Retro PDA Part6 - Project Pages - mrmole

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma