Mantenho um blogue activo, gosto de comunicar e aprecio dar a minha opinião, mesmo quando pouco ou nada conta. Como tal, não podia deixar de escrever aqui uma referência aos últimos dias, aos episódios que nos têm assaltado a televisão a cada minuto e, também, a solidariedade e contestação que marcou estes acontecimentos. #jesuischarlie ou #charliehedbo é a hashtag mais usada nos últimos dias… para o bem e para o mal.
Tenho seguido apenas algumas notícias, alguns artigos de opinião e, entre muitos, existem posições bastante interessantes sobre estes dias. Charlie Hebdo podia ser um jornal satírico como outro qualquer se não tive já sob protecção policial devido aos atentados em 2011. Charlie Hebdo podia ser um jornal satírico como outro qualquer se não tivesse a destreza de fazer humor… com tudo. Charlie Hebdo podia ser muitas coicas.
Entre opiniões, comentários e mensagens, existem duas que gostava de destacar:
- qual o significado deste movimento solidário perante o Charlie Hebdo e não para com todos os outros que ocorrem todos os dias?
- a culpa do ataque às instalações do Charlie Hebdo foi, em parte, culpa do próprio jornal
Refere-se em relação ao primeiro, a apatia da generalidade do povo e a propósito do segundo ponto, a dúvida sobre a liberdade de expressão. Decidi juntar estes dois pontos porque penso que estam intimamente ligados, não pelo caso particular do Charlie Hebdo, mas pela necessidade da expressão para o movimento. Pessoalmente, este caso não assume maior importância que muitos outros, mas por outro lado, assume a importância do seu significado perante o mundo. É, na minha opinião, importante pensar na consequência e não na causa. Depois do 7 de Janeiro de 2015, independentemente do facto do jornal satírico ter procedido bem ou mal ao longo de todos os últimos anos, é a consequência de que se tira daqui. Deixa de interessar a razão ou a actuação jornalística dos ilustradores, mas sim, a consequência em todos os outros meios públicos de informação.
Segundo uma notícia do Público, alguns jornais estão a fazer auto-censura dos conteúdos que publicam. Segundo a mesma referência, “é preferivel descrever a imagem do que publicar a imagem integral.” - ou, como quem diz, deixamos a imagem ao vosso critério. Publica-se, ao longo de muitos artigos, o medo. É, neste ponto, que penso que o limiar da liberdade de expressão se encontra. Numa visão extremada, pode-se ser criterioso e afirmar que a liberdade de expressão não pode ir de encontro à liberdade da vivência do outro, o conteúdo expresso está por isso limitado. Noutro sentido, pode-se dizer que a liberdade de expressão deve ser total e, deve ser permitido não haver qualquer filtro sobre as ideias que se expressam. Estas são visões no limite. Pergunto-me, no entanto, outra coisa. Independentemente da mensagem correcta ser benéfica, prejudicial, etc, não será a liberdade de expressão, tal como outro direito, apenas a manifestação interior da possibilidade de livre e expontanea expressão? Ou será que a defesa da liberdade de expressão tem de cair no extremo? A liberdade de expressão, ao contrário do que se manifesta, não se restringe a possibilitar qualquer um a expressar o que quer. A liberdade de expressão também dá ao indivíduo o ónus da consequência do que diz. Com isto, cria-se os métodos legais para proteger a liberdade de cada um e das consequências da liberdade do outro. Utopicamente, penso que seria este o objectivo da expressão “liberdade”.
Se as publicações eram ofensivas, algumas. Se existe meios legítimos para contestar essas publicações? Existem. Nada, mas nada justifica o que aconteceu. Isto é criar medo e opressão. Fundamenta-se que a religião é algo que não pode ser alvo de satira, pergunto-me, porquê? Existem muitas outras questões intrinsecas a cada indivíduo que são satirizadas, são menores que a religião? Não, não são. As pessoas têm definições próprias do que é certo e é errado, daquilo que se pode e daquilo que não se pode, existe divergência em muitos pontos.
Pessoalmente, acho que a expressão está do lado da maioria dos grandes movimentos que nos trouxeram estabilidade. Pessoalmente, exprimir não é tirar a vida a ninguém, a distância entre escrever ou desenhar uma crítica, ainda que ofensiva, até andar na rua com medo de levar um tiro… é grande, bastante grande. #JeSuisCharlie foi apenas, entre muitos, a manifestação da solidariedade perante qualquer movimento que se crie. Quando qualquer um de nós levantar um cartaz na rua em tom de protesto com alguma coisa, lembremo-nos… há sempre alguém que está contra a nossa opinião. Quando qualquer um de nós gritar que “é”, lembremo-nos, nem todos gostam do modo como somos. #CharlieHebdo não era amado por muitos, mas é na discordância e na capacidade de resposta que se conquista. Tirar a vida a alguém foi, é, e apenas será, cobardia.
Dani Bento