Hoje comemora-se mais um Dia Internacional das Mulheres, este ano, numas condições atípicas. É a primeira vez, em vários anos, que não me junto à manifestação do 8 Março.
Pessoalmente, este é um dia e, particularmente hoje, que me gera algum desconforto interno. Reconheço a importância de assinalar este dia, reconheço a importância de continuar na rua reivindicando um mundo mais justo.
O meu mau estar prende-se com a prática. Para mim, feminismo não é só, e apenas, uma forma de luta pela igualdade, por um mundo mais justo ou pela queda das estruturas de poder. Para mim o feminismo também é uma prática, é uma prática de vivência e de reconstrução da sociedade. A primeira não acontece sem a segunda. Neste dia, mulheres trans são reiteradamente convidadas a participar em variadas ações. São convidadas a participar em reportagens, entrevistas, conversas e demais atividades. Se por um lado a nossa existência é negada, por outro, neste dia, somos consecutivamente procuradas para falar da nossa experiência.
O meu mau estar prende-se com a prática. Para mim, feminismo não é uma imagem a ter quando se fala em inclusividade e em luta social. Para mim, feminismo é procurar abraçar a vivência das pessoas, das suas realidades, das suas histórias num tempo contínuo, num tempo que existe para além das manifestações e do visível. É também ele um apelo à subjetividade, ao interno, ao desafio das nossas contradições mais profundas.
O meu mau estar está aí. Presente. Num dia em que se fala de mulheres, mas de certas e determinadas mulheres. Certas e determinadas corporalidades. Certas e determinadas vivências. As outras, as mulheres trans, são deixadas para a academia ou outra entidade explicar – entidades que estão fora da nossa realidade, mas que sabem tudo sobre nós. Porque só no dia em que sairmos destes discursos teóricos, académicos e patologizantes é que passaremos a existir. Até lá, somos apenas meras silhuetas que vivemos num mundo onde tentamos procurar um lugar.
O meu mau estar está aí. Presente. Num dia em que se fala de mulheres, não se atenta ao discurso binário e cis-sexista. Num dia em que se fala de mulheres, nós mulheres trans, somos capa. Somos motivo para afirmar um feminismo mais inclusivo, mas sem a prática de o ser.
O meu mau estar está aí, e talvez por isso, e por sentir esta revolta interna, também não me quis juntar. A minha energia esvaziou-se rapidamente. Talvez por isso e por saber que este também é um mês de visibilidade trans, preferi o segundo ao primeiro. Para mim, feminismo é ser-se em prática. A existência do transfeminismo não é alheia à criação destes discursos pseudo-inclusivos. Não chega afirmar que feministas trans-excludentes não são verdadeiramente inclusivas. Não chega afirmar e boicotar este grupo.
É preciso mais, é preciso mudar a prática diária, é preciso repensar os nossos próprios privilégios, repensar as nossas ações e discurso. É preciso trabalhar para combater não apenas a transfobia e a transmisóginia, é preciso trabalhar para derrubar um sistema cis-sexista e binário.
Dani