No último sábado tive a oportunidade de ir a um evento bastante interessante, o Chá das Bichas, organizado pelas Bichas Cobardes. Um dos temas propostos à conversa foi o género não binário ou, aquilo a que na corrente actual se designa pela Teoria Queer. Há algum tempo que queria escrever sobre este assunto, mas acabei por ter a oportunidade de juntar mais algumas informações interessantes.
Existe na Wikipédia uma definição bastante resumida de Genderqueer e outras que caiem dentro das concepções do género não binário. Antes de mais, é importante dizer que estas definições tentam aproximar uma ideia geral e de nenhuma forma devem ser limitativas na sua vinculação a um indivíduo. Muito pelo contrário, são definições com um nível de generalidade bastante alargado para que permitam encerrar em si um conjunto fundamental de visões sobre a identidade de género.
Resumindo, o género Queer (ou género não-binário) é uma definição alargada para englobar todas as variações de identidade de género que não sejam exclusivamente associadas ao género biológico (binário homem/mulher) e cisnormatividade. Desta forma separa-se o sexo anatómico (que é marcado essencialmente pela genitália) e a definição do papel de género na sociedade.
No caso conforme, ou seja, quando o sexo anatómico e a identidade de género estão em consonância, diz-se cis-género (cishomem, cismulher). Por outro lado, tradicionalmente, diz-se trans-género (homem transexual, mulher transexual) quando a expressão/identidade de género não estão de acordo com o sexo anatómico e/ou atribuídos à nascença.
Actualmente, a definição binária é redutora e estrangula a expressão e identidade de género à sua simplicidade que, por sua vez, é extremamente dependente da cultura e sociedade, pois traça expectativas em relação ao papel de género. Uma demonstração deste estrangulamento é a procura constante, no caso dos transexuais, da normativa binária. A este afunilamento chama-se cisnormatividade. Tornou-se necessário repensar no enquadramento do género dando-lhe liberdade, surgindo a Teoria Queer. De um modo simples, defende-se que a identidade e expressão de género são normalizadas pela sociedade e que impõem restrições à própria existência do indivíduo. O conceito homem/mulher está intrínsecamente ligado aos papéis na sociedade e ao descontruir estas bases foi importante reestruturar a forma como se olha para o género.
Um dos problemas levantados por esta nova concepção surge na língua. No nosso caso em concreto, no Português, não contém pronomes neutros, o que obriga a uma forma de tratamento binária. Existem, contudo, várias sugestões para alteração linguística, mas nenhuma se demonstra, até agora, capaz de ter um efeito vantajoso - seja pela dificuldade escrita, seja pela dificuldade fonética. Outro ponto interessante de analisar é a importância da identidade de género na sociedade. Do ponto de vista prático e social (ignorando a questão biológica), o que significa ter um F ou um M no bilhete de identidade? No emprego, nas finanças, na escola, etc, qual é a função do F/M?
Vale a pena pensar no impacto que a sociedade tem na expressão de género e, consequentemente, no impacto na identidade. Os papéis sociais estão bastante limitados (apesar de temos vindo a verificar conquistas significativas devido aos movimentos feministas), o que torna a sociedade ainda bilateral, tornando extremamente difícil a integração de pessoas que não se conseguem encaixar neste perfil normativo.
Na minha opinião, não querendo sentir que se quer criar mais caixas (mais definições) para colocar as pessoas, acho que era importante haver mais alguma literatura sobre este tema. É socialmente importante desmistificar e reavaliar determinadas bases de construção. Permite-se um mundo mais tolerante, mais plural, mais próximo do indivíduo e menos discriminativo perante a diferença.
Para referência, o Podcast das Bichas Cobardes sobre o tema GenderQueer aqui tem uma explicação acessível.
Dani Bento