Aprecio escrever, é um velho hábito. Uma rotina de criança. Não escrevo tanto como desejaria e às vezes escrevo num qualquer pedaço de papel que encontro por aqui e por ali. Este gesto é pessoal, muito meu. Não o faço pela qualidade, mas pelo gosto e conforto pessoal.
Como gosto de escrever, gosto de fotografar. Como gosto de escrever, gosto de ler ou de rir, ou de sentar-me a olhar o céu ou de nada fazer… quando nada me apetece fazer.
Escrevo sobre o que gosto, sobre quem sou ou o que penso. Este espaço online é um exemplo onde transmito testemunhos ou visões pessoais que vão passando pelas minhas etapas de crescimento e construção pessoal. Em alguns dos últimos artigos escrevi sobre a minha construção identitária (onde usei a palavra transgénero), escrevi sobre pansexualidade, genderqueer e poliamor (para nomear alguns). Escrevo pelo mesmo motivo que converso sobre os assuntos, interessam-me por serem pessoais e serem formas de construção pessoal, para além da importância da visibilidade de cada assunto.
Porém, não sou apenas trans-queer-pan-poli-…, sou um conjunto de vivências, sou uma pessoa com tudo mais. De uma visão interior para o exterior, por vezes parecem existir momentos em que deixo a minha existência enquanto pessoa e existo apenas enquanto rapariga trans. Não uma rapariga, mas uma rapariga trans. Não a Dani(ela), mas uma rapariga trans. Não eu, mas eu trans. A barreira entre a minha totalidade e apenas e só uma característica minha parecem desaparecer. Na prática, torna-se comum perguntarem-me sobre o processo, a transição, o sexo, a genitália, o médico ou a veracidade da Mulher e torna-se raro perguntarem-me como foi o fim de semana, como vão as aulas, se tenho fotogrado, como estou ou não perguntarem nada de todo e falarem-me de si ou algo aleatório.
Independentemente da palavra que é usada para me descrever, desaparece tudo e, a minha tristeza, a felicidade, o bem estar ou o mau estar passou a resumir-se a esta palavra. Nada mais me faz feliz ou infeliz, nada mais é causa ou consequência. É apenas assim.
Acredito, contudo, que educar e transmitir experiências e/ou vivências seja determinante para o sucesso da compreensão sobre determinados assuntos. No entanto é ser inteligente entender que existem questões que eu posso reservar na minha privacidade e a quem de direito. É inteligente entender que por vezes é educado perceber que não somos fontes de curiosidade, mas sim pessoas. No momento em que escreverem a alguém “tenho curiosidade em sair com uma pessoa trans”, perguntem-se se entre pessoa e trans não existe algo de muito pessoal que não deve alimentar curiosidades.
Sei que será inevitavelmente assim largos anos, porque quem escreve a palavra trans pode escrever aqui outra coisa, não é fenómeno único. Haverá sempre alguma situação que fará lembrar que esta era a característica mais vísivel em mim e não toda a minha existência. Que em algum tempo fui não a amiga, mas a amiga que já foi um rapaz. Existirão momentos em que sim, sou também assim (e fazer valer que não somos pessoas trans, mas pessoas), existirão outros momentos em que esse espaço deverá ser apenas meu porque apenas a mim me diz respeito.
Dani